21 de nov. de 2013

Major é acusado de aterrorizar Rio Real: denúncias incluem invasões, torturas e até homicídios

Redação Portal Clériston Silva PCS 

Major Florisvaldo Ribeiro: acusado de crimes
“Eu ando com medo. Tenho mulher, filha e já percebi que esse pessoal é capaz de tudo”. O relato poderia ser de muitos moradores de Rio Real, a 205 quilômetros de Serrinha, na divisa com Sergipe. Mas, no caso, é do próprio juiz da cidade, Josemar Dias Cerqueira. Não é a única autoridade local a andar por aí com receio. “Eu circulo muito e tenho medo, né? A coisa está saindo do controle”, conta o presidente da Câmara de Vereadores, Cleriston Barbosa.

Se juiz e presidente da Câmara estão com medo, imagine o restante da população. A razão do temor coletivo está na atuação da Polícia Militar local, comandada pelo major Florisvaldo Passos Ribeiro, há dois anos à frente da 6ª Companhia Independente da PM (CIPM), com sede no município. O major e seus comandados são acusados de promover espancamentos, torturas, invasões de residências e prisões ilegais. É o que revelam depoimentos formais e informais coletados pelo juiz e pelo site CORREIO.

Vítimas e parentes de vítimas ouvidas ontem pela reportagem falam em atrocidades cometidas pelo major e sua tropa que incluem até execuções. Nas contas do juiz, só entre março e maio deste ano, foram dez assassinatos em circunstâncias “estranhas”, o que reforça a suspeita da existência de um grupo de extermínio. “É sempre alguém em um carro ou uma moto que chega, atira e vai embora. Desde que o major assumiu (em setembro de 2011), isso aumentou muito”, avalia o magistrado, que está há nove anos na cidade.

Diante dos fatos, juiz, presidente da Câmara e o próprio prefeito assinaram um ofício enviado ao Ministério Público (MP) pedindo investigação dos fatos. O problema é que Rio Real está sem promotor titular há cinco anos. “Eu não posso tomar nenhuma decisão se não for provocado pelo MP. O promotor é de Alagoinhas e acumula função. Mas acho que já passou da hora de tomar providências”, explica o juiz. Diversos documentos semelhantes foram enviados também à delegacia.

Morte - Um caso é emblemático na cidade: o assassinato do advogado José Urbano do Nascimento Júnior, 28 anos, morto em novembro do ano passado. Urbano levou dois tiros em um loteamento. Detalhe: o crime ocorreu meses depois de ele ter sofrido duas agressões de PMs.

“Meu filho foi chamado de ‘advogadozinho de merda’ pelos policiais. Morreu depois de reunir as provas contra os agressores e de processar um policial que xingou ele na internet”, relatou a mãe de Urbano, a professora Maria Lúcia dos Santos.

A presidente da OAB - Seção Alagoinhas, Maryella Gomes, encaminhou no mês passado um ofício ao juiz para comunicar “condutas ilícitas” por parte da PM de Rio Real. “Tomamos conhecimento de ameaças a cidadãos que comparecem às instalações, interferências nas conversas de advogados e seus clientes com a presença de elementos armados à paisana.

Chegou ao conhecimento que presos têm sido conduzidos às dependências da PM e submetidos a sessões de pressão psicológica e física, sendo negada a expedição de guias de corpo de delito”, diz o ofício. O CORREIO não conseguiu contato com o delegado Antonio Santana.

Núcleo - Segundo diversos relatos, os crimes que teriam a conivência do major - e muitas vezes sua participação direta - são praticados principalmente pelo chamado Núcleo de Informação, criado pelo comandante da 6ª CIPM.

Os policiais do NI circulariam à paisana, e um dos carros utilizados pelo grupo, um Gol preto com vidros fumê, ganhou, inclusive, apelido. “É o carro do corte”, revela o juiz. “O que nos parece é que o major resolveu ser tudo na cidade: policial, prefeito, juiz, carrasco, tudo ao mesmo tempo”, diz o juiz.

Uma jovem doméstica relatou à Justiça e ao CORREIO uma dessas ações arbitrárias. Em junho deste ano estava dormindo na casa de uma amiga quando homens armados invadiram o imóvel, torturaram ela, a amiga grávida e em um rapaz que estava com elas.

“Nele usaram até saco plástico na cabeça. Bateram em mim e na minha amiga. Rodaram com a gente no carro e apresentaram drogas e armas na delegacia”, conta. O relato é semelhante ao que ela deu em audiência ao juiz, como parte do processo que apura o tal crime de posse de drogas e armas. 

“Sistematicamente estou liberando presos com flagrantes sem nenhuma consistência”, diz o juiz. Há ainda narrações de agressões por meras infrações de trânsito. “Parei o carro em um lugar atrapalhando o trânsito. Na abordagem policial estava sem habilitação. Foi o suficiente para me espancarem e me levarem para a companhia. O próprio comandante viu tudo e me xingou de vagabundo”, conta o cunhado do presidente da Câmara de Vereadores, que preferiu não se identificar e admitiu ter dado um soco no PM durante as agressões.

Há um mês o cunhado do juiz foi encontrado portando uma arma. Foi preso e confessou o crime. “Não foi liberado sem antes tomar umas porradas dentro da companhia. Mas esse definitivamente não é o motivo de nosso pedido de investigação. Denuncio a PM desde o ano passado”, diz o magistrado, mostrando documentos.

Os crimes atribuídos à PM de Rio Real estão sendo investigados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e de Investigações Criminais (Gaeco), do Ministério Público, desde terça-feira. O MP informou que os promotores não comentariam o caso.

Viatura na frente da 6ª Companhia da Polícia Militar (CIPM-Rio Real), onde teriam ocorrido torturas e intimidações, segundo relatos coletados pelo juiz Josemar Dias

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