3 de set. de 2018

Jacobina: População consumiu água contaminada por mineradora, aponta MP-BA

Redação Portal Cleriston Silva PCS

Os recursos hídricos da cidade de Jacobina, localizada no Piemonte da Chapada Diamantina, no centro-norte da Bahia, podem ter sido contaminados por metais pesados por causa das atividades desempenhadas pela maior empresa de mineração do estado, a Jacobina Mineração e Comércio Ltda., controlada pela multinacional canadense Yamana Gold Inc. Alvo do Ministério Público Estadual (MP-BA) desde a década de 90, a empresa conta ao seu favor com a morosidade da Justiça. As atividades minerárias na Cidade do Ouro provocaram cinco ações civis públicas movidas pela Promotoria de Justiça Especializada em Meio Ambiente de âmbito regional com sede no município. As ações foram impetradas em 2017, 2016, 2015, 2011, e no início de 1990. A Jacobina Mineração responde também a ações no âmbito da Justiça do Trabalho, uma delas intentada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

O promotor Pablo Almeida, que conduz um inquérito civil público instaurado no ano passado, lamenta a lentidão do Poder Judiciário. O procedimento investiga a contaminação de recursos hídricos e do solo após supostos vazamentos de efluentes da JMC– Yamana. “Uma das ações tramita há mais de duas décadas e ainda não foi julgada no primeiro grau de jurisdição, seja acolhendo ou refutando os fatos trazidos pelo MP-BA. A demora na prestação jurisdicional não se compatibiliza com o princípio constitucional da duração razoável dos processos. E, os conflitos ambientais acabam se protraindo no tempo, sem uma certificação definitiva”.

Em entrevista ao site Bocão News, o promotor recorda que a empresa iniciou suas atividades antes da vigência das leis ambientais atuais e da Constituição Federal de 1988, considerada um marco para o Direito Ambiental no país. “À época, não era exigida a realização de estudos ambientais como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), por exemplo. Por causa disso, muitos impactos ambientais evitáveis acabaram ocorrendo, não foram previstas medidas mitigatórias suficientes e não são previstas medidas compensatórias compatíveis com o porte da atividade. A Yamana Gold, ao adquirir a empresa, assume a responsabilidade por este passivo ambiental e diversos problemas ambientais da década de 1980 que ainda subsistem na atualidade, como a não recuperação da mina a céu aberto de João Belo, desativada desde 1982”, explica.

No inquérito, é apontado que até o Ministério Público Federal (MPF) já entrou em ação ao fiscalizar a empresa 10 vezes em oito anos. “Uma média de fiscalização a cada 292 dias. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) informou que não fazia relatórios das inspeções na planta, o que mais se assemelha a uma visita de cortesia do que a uma inspeção, mesmo porque a Administração Pública, repita-se, se orienta pelo princípio da oficialidade. Não bastasse tudo isso, o próprio DNPM informa que a empresa descumpriu notificações e cumpriu outras intempestivamente”, descreve Almeida no documento.

Para reportagem, o promotor afirma que o mais grave entre os diversos problemas ambientais, ainda existentes na atualidade, é a “contribuição da JMC– Yamana para o agravamento dos padrões ambientais dos recursos hídricos da localidade”, que está localizada em região castigada pela seca e vê seus mananciais de água, utilizados inclusive para consumo humano, prejudicados pela atividade de mineração de ouro. A JMC– Yamana é licenciada pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), avaliado pelo MP-BA como “extremamente falho” em suas fiscalizações.

Após provocação do MP-BA, o Inema elaborou um relatório técnico depois de colher 21 amostras de água, 12 amostras de sedimentos, duas amostras de efluentes, e três de solo. O material colhido entre os dias 19 e 21 de abril do ano passado, na Fazenda Itapicuru, Povoado de Itapicuru e também no Povoado de Canavieiras, foi analisado pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (CEPED).

Segundo o relatório do Inema, das 21 amostras de águas coletadas, “14 revelaram desconformidades, sendo que na maior parte das vezes uma amostra apresentava mais de uma inconformidade”, ou seja, “66,666% das amostras de águas revelaram contaminação, desconformidade com os padrões da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou elementos químicos em concentrações elevadas. Repita-se, 2/3 das amostras de águas foram identificadas com problemas sérios, sendo que em três delas fora identificado cianeto” em diversas concentrações.

Sobre as amostras de sedimentos, o relatório indica que dos 12 sedimentos analisados, 6 “apresentaram violação do parâmetro mercúrio, sendo que em alguns casos em níveis preocupantes”, qualificados como PEL (probable effect level), que corresponde à concentração do contaminante a partir do qual há probabilidade real de efeitos tóxicos em organismos aquáticos. Foi constatado também “a presença de cianeto em oito das 12 amostras colhidas”, além disso, em alguns locais “foram encontrados peixes mortos”.

O promotor também recorda de uma denúncia feita no dia 17 de abril de 2017, quando três moradores compareceram à sede da promotoria e relataram a mortandade de diversos animais na região do Itapicuru, desde o dia 13 de abril daquele ano. Ao MP-BA, o grupo contou que identificou um vazamento em uma tubulação da empresa, fato negado pela mineradora.

Em inspeção, equipe do MP-BA encontrou cachorro agonizando, sangrando pelo nariz. À direita, mina de João Belo a céu aberto


Na época, o promotor recomendou medidas emergenciais à mineradora, à Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A (Embasa), ao Inema e à prefeitura. Durante inspeções, o MP-BA verificou a existência de outros vazamentos e também de paliativos adotados pela empresa. “Após o vazamento, não se procedeu a substituição do segmento da tubulação, apenas se remendou o furo, com a utilização de técnica bastante questionável”, detalha Almeida.

Ainda investigando a denúncia recebida por moradores do município, o promotor conta no inquérito que o vazamento transportou efluente líquido ao Rio Itapicuruzinho. “Ou seja, comprovado que um primeiro vazamento ocorreu, pelo menos, desde o dia 13 de abril de 2017, o qual não fora comunicado pela empresa a qualquer órgão ou autoridade pública. Ademais, restou provado conserto recente, sendo, portanto, que a empresa tinha conhecimento do ocorrido e não comunicou a órgão públicos, nem às pessoas do entorno, que consomem e fornecem a seus animais água do rio afetado”. E ressalta: “não se trata de fato inédito, já que no último derramamento de cianeto identificado pelos órgãos públicos, a empresa ocultou o acidente por alguns dias, colocando todos em risco”.

De acordo com o promotor, os locais onde ocorreram os vazamentos “são importantíssimos para o abastecimento humano pela Embasa em Jacobina. As barragens que abastecem a sede de Jacobina, com água da Embasa, são preenchidas com os rios que passam pela planta industrial e de exploração” da mineradora.

Também é preocupante, segundo o MP-BA, a proximidade entre as Bacias de Rejeito da JMC– Yamana e a Barragem do Itapicuruzinho, cuja distância entre elas é de 1 Km. “A barragem de rejeitos não é capaz de fornecer adequada proteção ao lençol freático (água subterrânea) que alimenta a bacia hidrográfica do Rio Itapicuru”, detalha. Ainda de acordo com o inquérito, ao lado desta barragem foi construída uma nova. O promotor afirma que “não obstante a antiga barragem não estar mais sendo utilizada para depósito de novos rejeitos, os resíduos lá colocados por década continuam em contato com o meio ambiente, porque inexiste impermeabilização no local, isso tudo a poucos metros dos rios e da Barragem do Itapicuruzinho”, que abastecem a cidade.

No inquérito, o promotor classifica o sistema de segurança contra acidentes da mineradora como “frágil”. Ele ainda lembra o vazamento ocorrido em maio de 2008. “Já houve contaminação do Reservatório da Embasa, que fornece água para toda a população de Jacobina e o que é pior, a empresa JMC - Yamana ocultou tal fato das autoridades públicas por alguns dias. O fato somente veio a público após a denúncia de um radialista. Durante alguns dias, toda a população de Jacobina bebeu água com cianeto e a empresa, absurdamente, somente noticiou os fatos às autoridades públicas após se certificar que a perícia seria dificultada pelo tempo decorrido”.

O promotor reforça no inquérito que a impermeabilização natural utilizada pela Jacobina Mineração “não propicia adequada impermeabilização do solo, conforme exigências mundialmente aceitas”. Acrescenta ainda que os “efluentes líquidos lançados pela Mina João Belo contaminam o manancial (Rio do Almoço), provocando a turbidez da água e o assoreamento do seu leito, bem como da barragem da Embasa, que abastece toda cidade de Jacobina”.

No procedimento de investigação, são relatados quatro episódios “de comprovados lançamentos de efluentes industriais na natureza, inclusive com sedimentos”. Um deles ocorrido em 21 de março de 2007, outros em 04 de abril de 2008 e em maio de 2008, e mais um no dia 21 de julho de 2009, durante inspeção do MP. “Ressaltamos que no passado a empresa lançava água de mina sem nenhum tratamento no Rio Canavieira, sob a ponte de acesso à mina de Canavieiras. Os impactos mais relevantes aos recursos hídricos referem-se aos assoreamento, lançamento de efluentes líquidos de garimpo e mineração e resíduos sólidos”. A situação torna-se alarmante quando o promotor destaca que a Embasa informou que “realizou tratamento padrão da água, sem a complexidade necessária para eliminar alguns elementos químicos e metais identificados nas análises referidas neste despacho”.

O promotor afirmou que uma questão ainda não foi esclarecida de maneira satisfatória em relação às barragens de rejeitos 1 e 2. “A empresa promoveu a conexão dos dois drenos de fundo, dessas duas barragens. Estudo da própria empresa falava que com o fechamento da barragem 1 se esperava a redução significativa da drenagem do dreno de fundo. Todavia, segundo dados da auditoria, o volume da drenagem aumentou. No mais, tanto o Inema, quanto a Agência Nacional de Mineração, e a empresa, solicitaram mais prazo para apresentação de informações e documentos, o MP concedeu prazos para tanto. Os prazos se encerram no final de setembro e outubro”.

Ao MP, de acordo com o inquérito, a JMC– Yamana justificou que “continuarão pendentes” respostas e resultados até a realização de programas hidrológico e hidrogeoquímico. “Ou seja, realiza e implementa um plano de fechamento na ausência de dados científicos concretos. Indaga-se, ademais, quando estes estudos irão ser realizados, em 2022? 2050? 2080? Nem mesmo a empresa informa quando estes estudos iriam ser realizados”, aponta o promotor. O inquérito civil ainda está em tramitação.

Moradores relatam mortandade de diversos animais na região do Itapicuru

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