27 de fev. de 2023

Mais de 40 serrinhenses estão entre trabalhadores resgatados de regime análogo à escravidão no Sul do País

Redação Portal Cleriston Silva PCS

A reportagem do Portal Cleriston Silva - PCS apurou que 46 moradores de Serrinha estão entre os cerca de 200 trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão na cidade de Bento Gonçalves, na Região Serrana do Rio Grande do Sul. O grupo chega à Bahia nesta segunda-feira (27) e será recepcionado com ações da secretaria de Desenvolvimento Social do município.

De acordo com apuração do PCS, a previsão é que estejam disponíveis psicólogos e assistentes sociais para atender aos trabalhadores. A secretaria disponibilizará ainda equipe para auxiliar com cadastros no Cad Único e Bolsa Família. Eles ainda terão assistência para realização de exames e acesso à justiça. A articulação do município envolve envolve também a Secretaria da Saúde, Defensoria Pública do Estado e Ministério Público da Bahia.

Entenda o caso - A Polícia Rodoviária Federal (PRF) resgatou, na noite quarta-feira (22), trabalhadores em situação semelhantes à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra do RS. De acordo com a PRF, eles "foram flagrados em condições degradantes".

Após o resgate, os trabalhadores  contaram aos policiais que foram contratados para trabalhar em vinícolas, colhendo uvas em Caxias do Sul. Foi garantido ao grupo salário de R$ 3 mil, acomodação e alimentação. Na chegada, contudo, encontraram condições desumanas.

"A gente saia 4h e ia para as fazendas trabalhar catando uva. Voltava 22h, 23h. O carro largava a gente lá, para ficar esperando [ele voltar], e tratavam a gente como se fôssemos bicho. Pegavam a quentinhas com a comida azeda e davam para a gente comer. Diziam: ‘vocês têm que comer isso mesmo, porque baiano bom é baiano morto’. A gente é pai de família, trabalha", contou uma das vítimas, sob forte indignação.

Outro trabalhador contou ao agentes rodoviários  federais que direitos básicos eram ignorados. “Não respeitavam quando a gente ficava doente e tratavam a gente que nem cachorro. Viemos para trabalhar e nos matar, porque a gente saia cedo e voltava bem tarde”, desabafou.  

Como o caso veio à tona? - A situação foi denunciada após seis homens conseguirem fugir do local onde viviam e buscar contato com a Polícia Rodoviária Federal, que prestou auxílio aos trabalhadores e deu início à operação.

Um dos denunciantes já havia gravado vídeo com um celular e publicado em uma rede social reclamando das condições de trabalho. Ele relata que foi agredido pelos supostos empregadores por isso.

Tomei cadeirada, spray de pimenta, estou com os dentes moles. Eu escutei eles falando que um carro estava vindo para levar para me matarem. O tempo dos escravos eu não vivi, acho que nem minha bisavó viveu. Hoje vai existir escravo de novo? Não vai. O que depender de mim, não vai, eu vou abrir minha boca, eu vou falar que tá errado", afirmou o trabalhador na gravação.

O homem contou à polícia que aproveitou quando os agressores foram atender uma ligação e pulou de uma janela, correndo até um mato próximo do local onde estava. Ele e mais dois trabalhadores, que estavam com ele, aguardaram até as 3h da quarta-feira (22) para sair e pedir ajuda. 


Como foram as operações de resgate? -
Policiais e funcionários do MTE saíram de Caxias do Sul por volta das 19h15min e chegaram a Bento Gonçalves pouco depois das 20h de quarta-feira. Os agentes foram até uma pousada, no bairro Borgo, onde os trabalhadores estariam hospedados. No local, foram encontrados cerca de 180 trabalhadores. Os policiais colheram seus relatos, que reforçaram as denúncias apresentadas pelo primeiro grupo.

Na quinta-feira, segundo dia de operação, mais 24 trabalhadores foram encontrados em parreirais no município. Segundo o MTE, eles não dormiram na pousada e, por isso, não foram encontrados na noite de quarta, quando a ação de resgate foi desencadeada. De acordo com o gerente regional do MTE de Caxias do Sul, Vanius Corte, o número de resgatados ainda pode aumentar nos próximos dias.

De onde vieram os trabalhadores? - Os resgatados relataram aos policiais que foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia. Posteriormente, foram levados para a Serra para atuar em uma empresa que presta serviços para produtores rurais, vinícolas e aviários da região.

A oferta de trabalho prometia, segundo os aliciados, salário de R$ 3 mil, alimentação e alojamento incluídos, o que não se concretizou quando chegaram ao Rio Grande do Sul. O grupo chegou a Bento Gonçalves de Salvador no dia 2 de fevereiro, após quatro dias e meio de viagem. 

Em que condições eles viviam? - Ainda na estrada, contaram os trabalhadores, começaram a notar que a realidade não seria como prometida. O gasto com comida nas paradas já estava sendo descontado do salário, e a promessa de banho quente e descanso ao chegar também não foi concretizada.

A pousada onde os trabalhadores estavam tem quatro andares de alojamento, com quantidade de camas que varia conforme o tamanho do quarto. A reportagem esteve no local e observou colchões e chão sujos, além de forte mau cheiro. Conforme relato dos trabalhadores, os lençóis não eram trocados. O local foi interditado na quarta-feira.

Como era o trabalho? - Os trabalhadores relataram que eram obrigados a trabalhar diariamente das 5h às 20h, sem pausas, e com folgas apenas nos sábados — embora fossem forçados a assinar no ponto que folgavam também aos domingos.

Todos estavam com vínculo empregatício com a prestadora de serviço Fênix Serviços de Apoio Administrativo de Bento Gonçalves, segundo o MTE. A empresa atua na colheita da uva e transportando aves em aviários e prestava serviços a grandes vinícolas da região, como Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.

Os resgatados ainda narraram que representantes da empresa que os aliciou ofereciam a eles comida estragada, que só podiam comprar produtos em um mercadinho perto do alojamento, com preços superfaturados, e que o valor gasto era descontado do salário, o que fazia com que os trabalhadores acabassem o mês devendo, pois o consumo superava o valor da remuneração. Afirmaram ainda que eram impedidos de sair do local e que, se quisessem sair, teriam que pagar a suposta "dívida". Que, além disso, os empregadores ameaçavam seus familiares.

Quem aliciou os trabalhadores? - O administrador da empresa  Fênix Serviços de Apoio Administrativo de Bento Gonçalves, Pedro Augusto Oliveira de Santana, 45 anos, chegou a ser preso durante a operação. Posteriormente, foi liberado após pagar fiança no valor de R$ 39.060. Ele é natural de Valente, também na Bahia, e é investigado como sendo o responsável por aliciar a mão de obra na Bahia e trazer os trabalhadores para a Serra gaúcha.

Conforme o MTE, o homem é conhecido em Bento Gonçalves por ofertar mão de obra, tendo ainda outros contratos em vigor que, até o momento, não teriam indicativo de irregularidades. Ele trabalharia há cerca de 10 anos prestando esses serviços na região.

Vanius Corte, gerente regional do MTE em Caxias do Sul, informou que, para isso, o prestador de serviço investigado criou a empresa Oliveira & Santana, em 2012, a qual foi mantida em funcionamento até 2019. Em fevereiro daquele ano, a empresa chegou a ter 206 funcionários registrados, conforme o MTE. Corte disse ainda que, entre 2015 e 2019, a empresa foi autuada 10 vezes por irregularidades em contratos trabalhistas e que alojamentos também já tinham sido interditados neste período, contudo, não havia registro de trabalho análogo a escravo.

Já a empresa Fênix Serviços de Apoio Administrativo foi criada em janeiro de 2019. Ela está em nome de uma mulher e Santana atua como administrador. A nova empresa ainda não havia sido fiscalizada pelo Ministério até esta operação deflagrada na última quarta-feira. Por meio de nota, o advogado da empresa, Rafael Dorneles da Silva, disse que Santana tem atuação reconhecida no município e os devidos esclarecimentos serão prestados em juízo.

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