15 de fev. de 2023

Jacobina: Vítima de intoxicação teve síndrome rara e precisou amputar pernas antes de morrer

Redação Portal Cleriston Silva PCS

"As pernas dela começaram a ficar roxas e ela parou de senti-las. Tinha dias que ela só gritava de tanta dor", conta Gislania Dantas, sobrinha de Neuraci Jesus dos Santos, vítima de uma intoxicação alimentar - que causou a sua morte - após almoçar no mesmo restaurante que serviu a comida da Jornada Pedagógica 2023, realizada pela Prefeitura Municipal de Jacobina.

Os primeiros dias após almoço, ocorrido no dia 31 de janeiro, foram marcados por fortes dores no estômago, seguidas por dores nas pernas. A família chegou a levar Neuraci para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA/Jacobina) algumas vezes, onde recebia medicamento e era mandada de volta para casa. A situação, no entanto, complicou quando as pernas começaram a ficar inchadas e roxas. "Na penúltima vez fomos ao Hospital Antônio Teixeira Sobrinho, ao chegar lá alegaram não ter médico para atender o caso, disseram só havia médico obstetra para gestantes", desabafa Lany, como Gislania é conhecida.

Sem alternativas, a família decidiu levar Neuraci até uma clínica particular, onde ela recebeu um medicamento para amenizar a dor. No atendimento, foi levantada a suspeita de Síndrome de Guillain Barré - doença em que o sistema imunológico ataca os nervos. "Nesse dia saímos bem tarde da clínica por que ela ficou tomando medicamento até aliviar um pouco a dor. No outro dia ela já amanheceu morrendo de dores. Novamente retornamos para a UPA, porém, lá precisaria aguardar regulação sair, que normalmente sempre demora. Tentamos ajuda para conseguir o carro pela prefeitura e não conseguimos. Então juntamos para arrecadar dinheiro e pagar o táxi para levar até Salvador", narrou.

Segundo relato dos familiares, em Salvador foi confirmado que Neuraci estava com a síndrome e precisou ser transferida o Hospital Geral Roberto Santos para realizar uma cirurgia. "Descobriram que as veias também estavam entupidas, porém não conseguiram desentupir. Assim que saiu a regulação ela foi transferida, fez as cirurgias, amputou as pernas e ficou entubada", explicou Lany, acrescentando que, após algum tempo, a equipe médica decidiu desligar os aparelhos e Neuraci não reagiu mais.

"A família está totalmente em choque,  foi muito rápido. Do nosso conhecimento ela não tinha doença e não estava doente. Ainda nem consigo acreditar que ela realmente se foi", diz Lany. O sepultamento de Neureci foi realizado nesta quarta-feira (15), no Cemitério Campo Santo, na Estrada do Pau Ferro, em Jacobina. Neuraci deixa três filhas adultas, com idades entre 27 e 31 anos.

Família denuncia negligência - Durante a entrevista, Lany ainda denunciou a situação de "calamidade" que vive a saúde do município e falta de estrutura no Hospital Municipal Anísio Teixeira Sobrinho. "Ficou somente a UPA que, no momento, nem medicamentos direito tem. É muita negligência com as vidas das pessoas." Sobre possíveis medidas judiciais, ela contou que a família está aguardando as filhas de Neuraci se recuperarem um pouco para tomar decisões.

Em vídeo publicado nas redes oficiais da prefeitura, o secretário de Saúde Gilson das Mercês explicou porque o Hospital Municipal só está realizando atendimentos obstétricos. "Nós estamos com algumas dificuldades financeiras em relação ao pagamento dos médicos. E o principal motivo é a prestação de contas com a antiga Organização Social que estava lá. No momento da saída dela (da O.S.), alguns débitos ficaram em aberto", diz.

Ele declara que os pagamentos dos médicos estão acontecendo e que "boa parte das pendências" seriam concluídas ainda nesta quarta-feira (15). Sobre a morte de Neuraci, o secretário confirmou que ela foi atendida na UPA, mas que as orientações médicas não foram seguidas. "Essa vítima foi bem atendida na nossa UPA, esteve lá por dois ou três momentos, como consta no prontuário médico, e ela retornou para casa. Ela não ficou internada na UPA, apesar de ter indicação no prontuário de internamento. A família resolveu não deixar ela na UPA", disse.

A família, no entanto, contestou. "Levamos ela pois, como informei, pela suposição do médico, tínhamos que agir rápido e não é uma coisa que o sistema de saúde de Jacobina costuma fazer. Como esperar alguém que está gritando de dores em um local onde malmente havia remédios e aguardar uma regulação sem tentar fazer nada?", questionou Lany.

No vídeo, o secretário ainda declarou que a prefeitura não foi procurada para fornecer o transporte de Neuraci até Salvador - ao contrário do que afirma a família. "A informação que circula nas redes sociais é que o transporte foi negado, mas isso não ocorreu em momento algum. O protocolo é que ela deveria estar na UPA e a UPA providenciaria o transporte via regulação, como acontece normalmente. Mas os familiares resolveram não cumprir o protocolo que regula o Sistema Único de Saúde", falou.

Com relação ao transporte, Lany diz que ela mesma falou com o assessor do prefeito, porém, foi informada que só poderia receber ajuda se sua tia estivesse no sistema de regulação. Por fim, o titular da pasta da Saúde prestou sua solidariedade à família da vítima e reforçou que a gestão municipal abriu um procedimento administrativo para apurar o caso e "punir os responsáveis".

Salmonella na comida - Amostras dos alimentos foram coletadas para serem analisadas pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). A análise encontrou Salmonella nas amostras coletadas. Segundo informe divulgado pela prefeitura, na contagem de micro-organismo indicadores da condição higiênico sanitária do alimento foram encontrados níveis acima do aceitável, que é de 10 Unidades Formadoras de Colônias por grama (UFC/g) de amostra.

Ainda segundo o secretário Gilson das Mercês, a prefeitura de Jacobina está em contato com a Superintendência de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) para saber a causa da morte de Neuraci - se foi causada pela bactéria (Salmonella) ou se outra comorbidade influenciou. Questionada, a família informou que a vítima não tinha nenhuma comorbidade e gozava de boa saúde.

Pacientes em recuperação - Taciane Ferreira, uma das professoras que passou mal após a refeição, contou que está se recuperando bem e já está de volta ao trabalho. "Ainda estou um pouco fraca e com o psicólogo abalado, mas estou fazendo uso de medicação para me ajudar a passar por esse momento", comentou. Ela contou ainda que outros conhecidos e colegas estão se recuperando bem, mas reforçou a gravidade da situação. As aulas no município foram retomadas nesta quarta-feira (15).

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