Redação Portal Cleriston Silva PCS
Mais adiante, mãe e filha operam uma mesa de som improvisada na carroceria de uma camionete e fazem tocar um paredão de caixas de som. O equipamento instalado em um reboque toca jingles em sequência e em volume máximo.
São 20h de uma quarta-feira em Campo Formoso, cidade do norte da Bahia, e as ruas do centro estão apinhadas. Famílias inteiras chegam carregando bandeiras nas mãos e usam roupas em tons monocromáticos. Rente aos paredões, pulam, dançam e balançam as bandeiras.
De um lado, centenas de pessoas vestem azul, cor da campanha do prefeito Elmo Nascimento (União Brasil). Algumas ruas adiante, o laranja toma conta das ruas em uma caminhada de Denise Menezes (PSD), candidata da oposição.
Com dois candidatos na disputa pela prefeitura, Campo Formoso vive uma eleição marcada pela ultrapolarização, representada por uma rivalidade histórica entre grupos políticos locais.
Este cenário se replica em outras pequenas cidades do interior da Bahia. Dos 417 municípios do estado, 214 têm só dois candidatos a prefeito nesta eleição, conforme levantamento da Confederação Nacional dos Municípios.
As cidades se dividem em rivalidades dignas de futebol e vivem a eleição como uma espécie de campeonato, com torcidas nas ruas, provocações, famílias divididas e apostas entre aliados dos candidatos.
Em geral, são campanhas enraizadas em laços familiares e refletem uma cultura política que ainda traz resquícios do coronelismo, segundo o cientista político Cláudio André de Souza, professor da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira).
“A dinâmica da política municipal é diferente porque envolve uma lógica econômica, de acesso às oportunidades. Ganhar a prefeitura se estabelece com uma centralidade gigantesca do que a pessoa vai ser nos próximos quatro anos.”
Em Campo Formoso, a política se divide há mais de 50 anos entre os Boca Branca e os Boca Preta, grupos que hoje são respectivamente liderados pelo deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil) e pelo deputado estadual Adolfo Menezes (PSD), presidente da Assembleia Legislativa.
Os nomes dos grupos surgiram nos anos 1970, em uma eleição que opôs os candidatos Luís Alberto Prisco Viana e Rômulo Galvão de Carvalho. O primeiro tinha um bigode preto e ganhou a alcunha de Boca Preta. Seu adversário, mais velho, ostentava um bigode grisalho e virou o Boca Branca.
Os grupos eram ancorados em famílias tradicionais como os Gonçalves, os Galvão e os Marques. Com o ocaso dos principais clãs políticos, os Menezes ascenderam ao comando dos Boca Preta nos anos 1980, sendo desafiados a partir da década seguinte pelos Nascimento, que passaram a liderar os Boca Branca.
As duas famílias têm laços de parentesco —a avó de Elmar Nascimento e o pai de Adolfo Menezes eram primos. Seus descendentes, contudo, seguiram rumos políticos opostos e se consolidaram como os principais polos eleitorais na cidade.
O início da campanha eleitoral deu largada à maratona de atos de campanha que inclui caminhadas, carreatas e comícios, praticamente diários e que mobilizam eleitores em clima de festa.
Em 4 de setembro, em um comício no centro, uma multidão vestida de laranja se reuniu para ouvir a candidata da oposição, Denise Menezes, depois de uma caminhada pelas ruas.
O evento foi anunciado como a “Pisadinha 55”, referência ao ritmo derivado do forró que embala a campanha e ao número do partido, o PSD. Apoiadores usavam adesivos com uma boca preta colados ao rosto.
Em frente ao palco, um deles carregava uma “marreta biônica”, com 4m de altura, que remete a um jingle popular na Bahia que compara a força do grupo político a uma marreta, que esmaga os adversários e os deixa “de cabeça tonta”.
A poucos quilômetros dali, apoiadores de Elmo percorreram ruas da periferia num evento chamado “Pula-pula do 44”, número de urna do União Brasil. Empunhando bandeiras azuis, traziam adesivos com bocas brancas colados no rosto.
Com uma bandeira nas mãos, a operadora de caixa Ana Cássia Mendes, 25, retornava da caminhada acompanhada de um amigo e da filha de 4 anos e diz ver a política como paixão. “É como futebol. Tem gente que até briga mesmo, fecha a cara. Tem família que fica sem se falar, tem gente que aposta casa, aposta carro para ver se ganha. O povo é fanático.”
Ela se define como uma “Boca Branca doente” e diz que sequer olha as propostas dos candidatos da oposição. Nas eleições de 2022, abriu uma exceção: votou em Elmar Nascimento para deputado federal, mas também no adversário Adolfo Menezes para estadual, por serem “os dois filhos da terra.”
Com uma dinâmica de ultrapolarização, Campo Formoso costuma protagonizar disputas apertadas. Em 2020, Elmo venceu a então prefeita Rose Menezes (PSD) por 833 votos, diferença inferior a dois pontos percentuais. Na eleição anterior, Rose venceu Elmo com 1.820 votos de frente.
“O que está em jogo não é racional, de quem é o melhor. A pessoa não quer saber quem é o melhor para administrar, ela quer saber o time que ela torce. A paixão está acima da razão para uma parte da população”, disse o prefeito Elmo Nascimento.
Ele afirma que pesquisas apontam para uma boa avaliação da sua gestão, mas os números não se traduzem em um patamar semelhante de intenções de voto. Ou seja, mesmo eleitores que aprovam seu governo votam na oposição, por serem fiéis ao grupo político predileto.
Este cenário de rivalidades históricas se replica em outras cidades baianas. Os grupos Beija-flor e Jacu se enfrentam em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo baiano. Jacus e Macacos concorrem em Ipirá, no sertão. Corinas e Rabudos se opõem em Oliveira dos Brejinhos.
Em Conceição do Coité, a disputa eleitoral opõe tradicionalmente os Vermelhos e os Azuis, grupos cuja cor referência em nada tem a ver com batalhas ideológicas. Nas últimas eleições, como em um paradoxo, os Azuis foram representados pelo candidato do PT, que aboliu o vermelho da campanha.
A polarização se repete também em outros estados, mas os grupos tradicionais têm perdido força entre os eleitores mais jovens, que cresceram ancorados nas redes sociais e têm referências políticas que vão além da realidade local.
“É como se houvesse uma extrapolação da esfera pública. O eleitor está em uma esfera mais ampliada, para além do que acontece no município. Isso mexe no jogo”, avalia Cláudio André de Souza.
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