31 de mar. de 2012

Serrinha, Jerusalém é aqui

Redação Portal Clériston Silva PCS

Durante a noite, em ruas escuras de uma cidade em região seca e árida, milhares de pessoas seguram tochas em fogo e velas nas mãos, em constrição, antecipando a morte de Jesus – em hebráico Yeshua, significa ‘Javé salva’ – que acontece no outro dia, sexta-feira. A cena poderia ser em Jerusalém, cidade localizada entre o Mar Mediterrâneo e Mar Morto, no Oriente Médio, a quase 10 mil km do Brasil, mas não é.

É Serrinha, na Bahia. A cidade que surgiu a partir de 1715 – século XVIII – a 173 km de Salvador, onde antes habitavam índios (Cariri), vai se tornar a mais nova Jerusalém das Américas, com mega-encenações a céu aberto da Paixão e Morte de Cristo, começando neste domingo (1º), com 100 atores, cerca de 30 mil pessoas em procissões por ruas, praças e subindo três morros durante quatro dias consecutivos, finalizando com um grande show da cantora Joanna.

A manifestação cultural-religiosa já existe em Serrinha há mais de 80 anos. É emocionante, por ser ato espontâneo da população nordestina, rica em detalhes, de extrema singeleza, beleza plástica e com raízes antigas, remetendo ao medieval ibérico-europeu. Na cidade às escuras, a multidão forma estradas de luz, que adentram a cidade e sobem os morros. É o conhecido ‘Fogaréu’ tradição que está no plantel das grandes festas populares feéricas, justamente pelo caráter popular e impressionante.

Festa medieval - A procissão teve seu apogeu na Idade Média, quando era planejada como um grande acontecimento religioso e social, com rituais próprios e participação em massa dos fiéis. Os estudiosos acusam ainda que o ‘Fogaréu’ teria heranças rituais pagãs celtas e de povos indo-europeus, quando queriam boas colheitas e terra sempre fértil.

“O Fogaréu de Serrinha é autêntico e só acontece há décadas porque o povo quer, deseja e tem fé”, relata o produtor cultural André Reis, da empresa Expo Eventos especialmente contratada para redimensionar a manifestação para atrair turistas nacionais e internacionais. Centenas de pessoas do Nordeste já afluem à Serrinha.

“O que queremos agora, é conseguir apoio do Governo do Estado para a infraestrutura viária, logística turística que já conseguimos com a Secretaria de Turismo do Estado (Setur) e o registro do ‘Fogaréu’ como Patrimônio Imaterial da Bahia, pedido que enviamos à Secretaria de Cultura (Secult)”, afirma o prefeito da cidade, Osni Cardoso.

Segundo André Reis, em Salvador também existiu a Procissão do Fogaréu, trazida pelos padres jesuítas. “Os especialistas dizem que o Fogaréu soteropolitano durou de 1584 a 1875, e depois foi extinto”, diz Reis. André lembra que imagens dessa tradição ainda podem ser vistas através dos sete painéis de duas faces (14 telas) que retratam a procissão com a paixão e morte de Jesus no Monte das Oliveiras. “Essas imagens em óleo sobre tela foram encomendadas pela Santa Casa da Misericórdia – onde se encontram agora – ao pintor José Joaquim da Rocha, em 1786”, comenta André Reis.

Já o Fogaréu de Serrinha acontece desde a década de 1930 no período da Semana Santa (PROGRAMAÇÃO abaixo/anexa). A multidão sobe durante a noite o Monte de Nossa Senhora de Santana, a maior altitude da cidade. O ato simboliza o acompanhamento a Cristo ao Jardim das Oliveiras, onde ele se entregou para o sacrifício.

Passos da paixão - A intenção da prefeitura é fazer com que a manifestação se torne um atrativo nacional e internacional. E se depender do fenômeno econômico provocado por essas festas religiosas, o sucesso já está garantido. Dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) apontam que o turismo religioso é responsável pela atração de mais de 1,5 milhão de pessoas no fluxo global de turistas na Bahia. “E a EMBRATUR estima que essas manifestações já devem movimentar, no mínimo, cerca de R$ 7 bilhões ao ano no Brasil”, alerta Osni Cardoso.

A partir daí foi criado o Projeto Passos da Paixão para transformar Serrinha em uma espécie de Jerusalém na Bahia (como em Pernambuco). “Em Serrinha já temos festa, encenações prontas e o fluxo de milhares de pessoas que participam das manifestações”, garante o prefeito. Para André Reis faltariam apenas melhorias de infraestrutura turística. “A ideia é também buscar leis de isenção fiscal, incentivos estaduais e federais, e patrocínio direto”, finaliza André.

“Gostaríamos que o ‘Fogaréu’ se tornasse oficialmente um bem imaterial do Estado; isso traria reconhecimento para esse importante ato histórico-cultural da região, potencializaria o acontecimento como turismo religioso e aumentaria a autoestima da cidade e do povo, salvaguardando a tradição”, defende o prefeito de Serrinha, Osni Cardoso.

Imaterial – Na Bahia, quaisquer dos entes federativos, sejam Municípios, Estado ou União, podem decretar uma manifestação cultural como Bem Intangível, bastando para isso terem leis específicas. Dentre as manifestações que já são reconhecidas como Patrimônios Imateriais baianos, estão Festa de Santa Bárbara, Cortejo 2 de Julho e Desfile dos Afoxés, todos em Salvador. No interior, somente a Festa da Boa Morte, em Cachoeira, e o Carnaval de Maragojipe, na cidade de mesmo nome, são registrados pelo Estado.

A Lei estadual nº 8895/2003 (Artigo 40, I) determina que um processo de registro de uma manifestação cultural como Patrimônio Imaterial pode ser aberto “por ato do Governador do Estado, do secretário da Cultura, do diretor Geral do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) ou de qualquer membro do Conselho Estadual de Cultura (CEC)”. O pedido deve vir, obrigatoriamente, de secretarias municipais ou sociedades civis regulares e devidamente registradas.

Joanna - No Sábado de Aleluia – que na tradição Cristã é quando Jesus ressuscitou da morte na cruz –, dia 7, às 21h, a cantora Joanna deve reunir milhares de pessoas em Serrinha, saudando a religiosidade e a fé do povo brasileiro. Com 25 anos de carreira, Joanna é uma das poucas cantoras brasileiras que é sucesso garantido em Portugal e em muitos países de língua hispânica. Desde a sua estreia em 1979, Joanna cantou – e ainda canta – muita MPB, gravando compositores como Durval Ferreira, Arthur Laranjeira, Wagner Tiso, Toninho Horta, Sivuca, Gonzaguinha, Tom Jobim, Chico Buarque e Milton Nascimento (que fez “Nos Bailes da Vida” especialmente para ela).

Nos últimos anos Joanna tem aparecido em importantes festas religiosas, incluindo algumas músicas de cunho do sagrado. Já se apresentou no Dia da Nossa Senhora Aparecida, na catedral de mesmo nome em São Paulo, entre outras. Declara-se também devota de Nossa Senhora e está feliz por se apresentar em Serrinha para um público tão grande.

Serrinha - Serrinha está na região Nordeste da Bahia, a 173 km de Salvador. Segundo estudiosos, os primeiros habitantes foram os índios Cariris. Com a chegada do português Bernardo da Silva, a partir de 1715, a malha urbana da cidade surgiu, quando se iniciou uma construção da capela da Senhora Santana. Em 1838, criou-se o Distrito de Paz de Serrinha, elevando a capela à Paróquia. Pela Lei Provincial de 1876, o Arraial de Serrinha foi elevado à categoria de Vila. A instalação solene da cidade ocorreu em 30 de agosto de 1891.

Outras atrações - Serrinha ainda tem a FESTA DA PADROEIRA, a 26 de julho (Senhora Santana), com celebração litúrgica na catedral, seguida de procissão pelas principais ruas. DIA DE SÃO PEDRO, com seis dias de festa e grandes atrações, além das tradicionais fogueiras e festas de bairros. Além da concorrida VAQUEJADA, que se iniciou em 1967, e hoje comporta mega-shows com artistas nacionais, sempre no feriado de 07 de setembro. É a maior vaquejada – manifestação típica do Nordeste – do Brasil e atrai cerca de 50 mil visitantes.

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